quinta-feira, dezembro 25, 2008

JUSTAMENTE

Artigo extraído do “Rostos – on line”, de 21.12.2008,em http://www.rostos.pt/, para o qual além de chamar a vossa especial atenção, peço a competente autorização ao Jornal para publicação no meu blog:
--- "Genoveva Pimpista, Querida GiPor Manuela Fonseca
D. Justa é mandatada por um Mundo cada vez mais torto, corporizado nos Jurados e Munícipes acéfalos e lambe-botas, num representante das forças de segurança ao sabor do poder, todos quase tão repugnantes como as ratazanas doas canos que nos mostram o dente no início da peça (levei-as tão a sério que quase batia no meu convincente amigo Emídio Caboz…). Perante a ingenuidade dos justos que essas horríveis personagens destroem, premeditada e paulatinamente.Há mais de vinte anos, perfizeram-se em Setembro exactamente vinte e quatro, a jovem formadora pedagógica que eu era rumou da novinha Escola Secundária de Santo André para a congénere Alfredo da Silva, investida na função de Delegada à Profissionalização – orientadora local de estágio profissional; os superiores hierárquicos que vinham de Lisboa e centralizavam o trabalho dos vários estabelecimentos de ensino eram denominados, popular e (quase) carinhosamente ventoinhas… Esse labor intenso, esgotante, apaixonante, exigente, na área da Língua Portuguesa, que durou até Julho de 1986, contigo, a Francisca Bastos, a Glória Bastos, a Teresa Maurício (e, durante um ano, o Adelino Alfacinha), habitualmente acompanhadas por dois outros colegas, a Felismina Lourenço e o Joaquim Afonso, já o tornámos conhecido através de escrita publicada. Suponho que o subconsciente levou a minha mão a escrever o parágrafo anterior, quiçá na evocação da Senhora Ministra da Educação – certamente em lapso causado pelo cansaço a que a luta dela, infrutífera, contra os professores, a leva; disse Sua Excelência (quase pasmei ao escutá-la e ainda estou perplexa com a suas palavras) que os professores não são avaliados há trinta anos; valha-lhe Deus. Por mais um pouco, “bons” teriam sido os tempos do Doutor Salazar, com os mestres e outros pedagogos impedidos do exercício da profissão, em avaliação que o ditador, comparsas e bufos (em Escolas, Liceus, Colégios, Institutos e Universidades) faziam das ideias políticas dos melhores daqueles profissionais.Apreciei o vosso merecimento, em equipa, durante dois anos, numa relação de trabalho e respeito (Gi, suponho que fui uma das avaliadoras do grupo referido, e de outros, durante mais de vinte anos…). Após a vossa certificação com professoras profissionalizadas, temos desfrutado de uma AMIZADE de que nos orgulhamos. A que nos levava, com outros colegas da Alfredo da Silva, que saudades, à celebração do querido 25 de Abril, os garotos pela mãos, nas cadeirinhas ou bem guardados em nós. Na altura em que nos encontrámos pela primeira vez, a Beatriz já tinham três dos seus quatro herdeiros – Francisco, Luís, Inês e Filipe – crescidos; pela minha parte, o Rui Manuel (enteado que nos deu um neto, o inimitável David, que, em silêncio, sempre em silêncio, me faz companhia bem engraçada em muitos domingos, com a mãe, Aurora Mousinho, ele sempre ao computador, com muitos – para mim – enigmas informáticos já desvendados pela sua pouca idade) tinha dezasseis anos, o Rui Sérgio completara quatro, o Filipe Manuel arregalava os olhos de oito meses, mais um do que a tua Joana; foram seguidos pelo João, o filho varão da Teresa., o João e o Pedro, os filhotes da Glória; entre eles a Catarina, a menina da Quicas. O tempo andou, a pequenada cresceu, tornou-se ou está a tornar-se autónoma (se a que é adulta ainda não tem o suporte financeiro a que faz jus, perguntemos as razões disso aos larápios de colarinho branco que têm posto o Mundo e o País a saque, embalados pela cumplicidade dos que governam para eles e se vão governando) e hoje trago aqui as tuas Joana e Ana por terem em comum comigo o amor ao Teatro, elas como criadoras, eu como destinatária das mensagens da Arte que mais me toca. Encontro-as na mais recente produção da Companhia Arte Viva, (transformada em Arteviva, feliz interpretação do Sousa Pereira em relação ao o que a mesma coloca em palco, burilada a matéria-prima que lhe dá o mote), Justamente.
Não vou falar da autora da peça nem desta, nem da contextualização social, política, psicológica, histórica nem da globalidade das interpretações (aqui em protesto contra uma tradição, a pedir reforma, que coloca o talento colectivo acima do de cada um, na abordagem do chamado “Teatro Amador” que não sei, sinceramente, o que é; Teatro Amante, sei; já o aprendi em lição do Jorge Cardoso) nem dos recursos postos em cena: por um lado os sábios (então não há quem pense que eles estão só em Bruxelas ou Lisboa?) da cidade já os leram, abordarem, deram-nos belos testemunhos e, por outro, Justamente causa alguns incómodos à minha vida privada. Mas falo do seu encenador, Mestre Jorge Cardoso, genial em quase tudo o que inventa para preencher, com actores, coreografias, sons, cores, aromas, materiais diversos, esquecidos os escassos recurso de que dispõe (quando será agraciado pelo Barreiro, individualmente, em distinção por pertencer aos melhores?) que bem poderia encenar Shakespeare no Old Vic. Como sabes, costumo dizer em Old Vic, como terra Prometida da Representação – um exemplo para os que se pensam iluminados da encenação, fadados por deuses, destino familiar, conta bancária ou arrogância, talvez inata, bem como para os esbanjadores do dinheiro que não lhes custa a ganhar –, homem grande e, por isso, simples. E falo delas, das tuas garotas de quem tu e o Fernando bem se podem orgulhar por serem belas actoras sociais, agora numa peça em que uma é actriz a outra figurinista. Ambas são parte de uma trama que nos arrasa, às vezes diverte e que leva a um final trágico ao qual a personagem de D. Justa, formiguinha obreira da injustiça, instiga e é cúmplice.
D. Justa é mandatada por um Mundo cada vez mais torto, corporizado nos Jurados e Munícipes acéfalos e lambe-botas, num representante das forças de segurança ao sabor do poder, todos quase tão repugnantes como as ratazanas doas canos que nos mostram o dente no início da peça (levei-as tão a sério que quase batia no meu convincente amigo Emídio Caboz…). Perante a ingenuidade dos justos que essas horríveis personagens destroem, premeditada e paulatinamente.(In)Justamente, fora do palco, no Teatro da Vida nas confusões de uma Senhora Ministra, nas ameaças aos professores de uma Senhora Directora Regional, instigadora moral da falta de respeito, agressividade e violência contra eles, nas fábricas e empresas que fecham as portas aos trabalhadores e à produção, nos assaltantes de bancos que não usam armas mas intrigas e jogos de poder, nos subsídios para os donos do Mundo, recolhidos pelos Estados no aperto do cinto das populações, exauridas por tanta rapina. (In)Justamente nos hospitais e em outros locais de saúde que não têm aberturas automática de portas, o que leva doentes, incomodados e doridos pelas suas situações, a bater em todos os obstáculos, (aquelas, paredes, elevadores) e quem os transporta, pouco apoiado, tenha que fazer forças impossíveis a empurrar camas, macas, cadeiras de rodas. (In)Justamente que eu não possa voltar a ver a peça porque qualquer fumo de tabaco, vindo não sei de onde em recinto público e fechado, eventualmente potenciado pelo vapor de água (que, muito bem, nos turva a visão e nos faz sofrer e pensar), não mo permite. (In)Justamente no Desporto que parece uma coisa, engano quase barroco, e é outra, batota atrás de batota.(In)Justamente, na falta de direitos dos mais frágeis, esquecidos pelos que gozam a vida. (In)Justamente contra os que querem Justiça e Paz.
Justamente. Numa Terra melhor, todos a comermos maçãs / bom sabor e fraternidade. Que cheguem depressa, sempre adiadas – o Sousa Pereira já no-las indicou como caminho, e, tal como o disse, repetiu a peça, a Lurdes na entrega, suponho, de um Diploma de Reconhecimento da SFAL na sua 9.ª Mostra de Teatro. O casal bem as comeu, terminada a peça. Com(o) vários de nós, espectadores, orgulhosos do que acabáramos de ver e continuávamos a saborear. Justamente. Com boas pessoas e pessoas de bem, como o pai dos meus enteado e filhos tem com desígnio máximo para eles.
Justamente – que tanta injustiça se regenere na invenção de um presente melhor, nunca mais adiado. Recebe, querida, e dá à Joana, à Ana e ao discreto Fernando um beijo da tuaManuela (Fonseca). (Barreiro, 2 de Dezembro de 2008) ---"

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