sexta-feira, fevereiro 19, 2010

O Zé Povo, por Manuela Fonseca - BARREIRO

In http://www.rostos.pt
Aos trinta anos, o Zé Povo (no feminino e no masculino) recebe um mísero salário ou nem trabalho tem; pede ajuda aos pais, se podem dá-la, e, na procura de colocação, sofre com a ida ao centro de Emprego, em fila, interminável, de gente aflita e desvalorizada, envergonhada por uma minoria social, ignorante e trituradora, que o colocou assim. Depois de oito décadas de vida, o Zé Povo, idoso (no feminino e no masculino), na sua pobre aldeia sofre, sofre para ter acesso a cuidados na doença, o Centro de Saúde longe, a dispendiosa e massacrante viagem para lá chegar. E o magro dinheiro que mal dá para comer e comprar medicamentos, a desesperar o Zé que, tantos anos de trabalho árduo, só e longe dos filhos que bem o chamaram para ir viver com eles em França, nada lhes quer pedir.
Às vezes apetece-lhe acabar com tudo de uma vez por todas mas os valores que o orientam impedem-no de tomar uma medida drástica da qual não regressaria.
Depois de quatro décadas a trabalhar, o Zé Povo (no feminino e no masculino) que chegou a sénior, estupefacto com as discrepâncias sociais que a estranha democracia (que, pela primeira vez, registo com minúscula inicial) portuguesa proporciona, leva para casa quinhentos ou seiscentos euros. Um oportunista – que ele conhece de vista e vive de espertezas diversas, no mundo da baixa política e das empresas que ficaram cheias de incompetentes, como esse, que não souberam / que não quiseram gerir o País – aboleta-se, por aqui e por ali, com o que o que lhe é permitido acumular e repartir com a família, constituída com as esposas número um e número dois, os filhos com essas senhoras: dinheiro, habitações, acções e o mais que, impunemente, tem arrecadado. Para gastar com as casas e casinhas, viagens e viagenzinhas a que se habituou, em anos de lazer (mal) disfarçados de trabalho-a-fingir com dinheiros do Estado / de todos.Depois de vinte anos de sacrifício na fábrica, o Zé Povo (no feminino e no masculino) vê fechar a unidade produtiva que, mal ou bem, lhe proporcionou o ganha-pão. De um momento para o outro, cinco cidadãos ficam na máxima aflição: pai, mãe, um jovem estudante do ensino superior que terá que interromper um curso, desejado, e a meio, uma menina que só poderá manter-se no Jardim-de-infância porque este pertence ao sistema escolar público. E Pedro, ainda guardado na mãe, que os seus entendem que não há-de, indefeso, deixar de nascer por causa da crise contra a maioria. E que se farta de rir: dentro de dezoito anos receberá o subsídio por ser dado à luz hoje…
O agregado familiar comerá os vegetais que, amorosamente, tem cultivado. E a conta na mercearia e no talho? E o vestuário? E o calçado? E a água, a luz e o telefone? E a prestação do carrito em segunda mão, comprado há um ano?
Aos trinta anos, o Zé Povo (no feminino e no masculino) recebe um mísero salário ou nem trabalho tem; pede ajuda aos pais, se podem dá-la, e, na procura de colocação, sofre com a ida ao centro de Emprego, em fila, interminável, de gente aflita e desvalorizada, envergonhada por uma minoria social, ignorante e trituradora, que o colocou assim.
Recebe, quando recebe, subsídio da Segurança Social, menorizado por querer sobreviver com dignidade e ter essa possibilidade cerceada. O Zé Povo (no feminino e no masculino) está na escola básica: desmotiva-se dos seus deveres e da obtenção de novos saberes com os pequenos (ou nem por isso) malandretes que, impunes e, um futuro de arruaça no desgraçado horizonte, o roubam, ameaçam, agridem verbalmente e, por vezes, também lhe batem. À vontade ou quase. O Zé Povo (no feminino e no masculino) faz o que pode para ajudar os (ainda) mais necessitados do que ele; a última catástrofe natural haitiana incomoda-o, fá-lo solidário.
Acompanha as notícias acerca do apoio ao mais pobre país da América e permite-se uma expectativa, elevada, ao saber da coordenação da ajuda humanitária e a reconstrução do Haiti, coordenada pelo Presidente Bill Clinton, a pedido do Secretário-Geral da ONU.
E lembra-se de iniciar uma petição ao homem que geriu e bem, a vida dos Estados Unidos da América. Para que também venha ajudá-lo a ele, Zé Povo (no feminino e no masculino), na organização da vassourada aos abusadores do poder, aos que e se serviram e servem de Portugal para encher a barriga; espécie de sapos, com o da velha fábula, no desejo de aumentar, aumentar o ventre para chegar a touros. Como são ignorantes e não estudam Literatura, ainda não perceberam que vão rebentar. Finalmente, o Zé Povo acorda contra a barbárie de que é alvo.
Manuela Fonseca - Colunista do Jornal Rostos

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