sexta-feira, maio 07, 2010

TEATRO É ISTO!

ARTE VIVA - Companhia de Teatro do Barreiro

Gil Vicente ao «vivo» na nossa «cultura de fábrica» O ARTE VIVA - Companhia de Teatro do Barreiro estreou a peça «Vicente Inferno 2», com encenação de Jorge Cardoso e Carina Silva.
O espectáculo está em cena, no Teatro Municipal do Barreiro, às sextas feiras e sábados, pelas 22 horas.

Este espectáculo é uma lição. Uma lição conseguida pela encenação. Uma lição validada pelas interpretações.
Uma peça que vive de sentimentos. Faz renascer sentimentos, transportando para os dias de hoje Gil Vicente e colocando-o ao «vivo» na nossa «cultura de fábrica».
A primeira ideia que me ocorreu quando findou o espectáculo do Arte Viva «Vicente/Inferno2» foi pensar que, sendo, o texto de Gil Vicente, só por si, uma permanente actualidade da nossa cultura judaico-cristã, ali, em palco, a própria encenação foi uma força capital para nos transportar para a actualidade do texto.
E, mais, ainda, para uma actualidade que pareceu querer transportar-nos para reflectirmos sobre a dita «identidade do Barreiro», um Gil Vicente vivido numa «fábrica», ou um terminal de contentores, aqui no nosso Rio Tejo. Neste espectáculo senti que a procura de dar força ao sentido da «modernidade»/«actualidade» do texto de Gil Vicente, não residiu em mudanças de linguagem, mas, sim, de facto, na criatividade colocada na encenação, cujas preocupações estéticas, podem ser lidas como uma tentativa de desmistificação dos valores morais, ou, simultaneamente, uma proposta que nos motiva a reflectir sobre a realidade actual desses valores.
A barca. Ou as barcas, recriadas – em caixotes de carga - podem ter um sentido estético, mas também um sentido ideológico. A cultura do «bem» e do «mal», dos «anjos» e dos «diabos» de facto, não são, nem nunca foram, apenas um problema das religiões, também estão presentes na vida política, ou nas nossas vivências de cidadania. A estratégia de encenação é subtil, deixando ao espectador, de acordo com os seus valores e sentido de vida, espaço para reflectir e contextualizar. Podemos imaginar que ali vivemos uma «cultura da fábrica», ou que estamos perante uma «cultura teológica». Talvez, afinal, o resultado é que em ambas parece emergir um sentido escatológico para a vida – com Deus ou sem Deus. Sentimos que, na verdade, todos os personagens, venham de onde vierem, na realidade, acabam por seguir os mesmos «carris», aqueles que conduzem ao encontro com uma «eternidade» que será «marcada» sempre pelo resultado do percurso individual.
A homogeneidade estética da encenação, nas condições que coloca cada personagem em cena, dá de facto sentido a uma interpretação que nos conduz à leitura da «modernidade» de Gil Vicente, sem «ferir» o texto e mantendo a «veracidade» dos personagens que emergem da história «prenhes» de actualidade. Gostei da encenação. Está sóbria. É um elemento estruturante que ajuda a interpretação. O Diabo- interpretado por Patrocinia Crstovão – está excelente. É mesmo infernal. Está sempre presente, mesmo nos silêncios. O Anjo – vivido por Ana Samora – é genial, na sua gestualidade, na sua simplicidade e sorrisos. Uma personagem sublime, mesmo pelo seu enquadramento cénico. Os companheiros do Diabo estão perfeitamente equilibrados, com ritmo e expressividade. Joane ( O parvo ) – interpretado por Joana Pimpista – é uma das personagens que nos conduz com intensidade ao texto vicentino. A sua interpretação está uma maravilha enriquecendo as relações entre as personagens. Não vou, naturalmente, comentar todos os personagens. Deixo aqui breves notas. Diverti-me com o João Cavaco, no seu papel de Corregedor. Dei fortes gargalhadas com a Brizida Vaz, interpretada pela veterana Manuela Felix, actual, moderna, excitante! O Frade – Rui Felix – é bem um «símbolo» da hipocrisia, desmistificando valores pelas artimanhas do «amor». Está aliciante. Maria Matilde Cavaco foi uma agradável surpresa. O Enforcado – Bruno Vitoriano – é uma figura marcada pela beleza e vivida com maturidade. O Judeu – interpretado por Eugénio Silva – transporta-nos de regresso ao passado, ao Arte Viva, na cave do Externato Manuel de Melo, pela imaginação, criatividade e a sua «parceria» com o bode. Excelente. Em suma há espectáculo. Há imaginação. Há criatividade. Resumindo há ritmo dramático. Há teatro. A montagem da peça funciona como um todo, desde o cenário, jogo de luz, na musicalidade e na interpretação. Gil Vicente continua actual, com vitalidade e, hoje, como ontem, permite-nos pensar sobre o tempo que vivemos, as relações humanas, os valores que marcam os nossos dias. Este espectáculo é uma lição. Uma lição conseguida pela encenação. Uma lição validada pelas interpretações.
Uma peça que vive de sentimentos. Faz renascer sentimentos, transportando para os dias de hoje Gil Vicente e colocando-o ao «vivo» na nossa «cultura de fábrica».
Não perca!
António Sousa Pereira – In “ROSTOS”
O ARTE VIVA - Companhia de Teatro do Barreiro estreou a peça «Vicente Inferno 2», com encenação de Jorge Cardoso e Carina Silva. O espectáculo está em cena no Teatro Municipal do Barreiro às sextas feiras e sábados, pelas 22 horas. Este é o espectáculo comemorativo dos 30 anos da Companhia residente no Teatro Municipal, cuja efeméride é celebrada ao longo do ano 2010.
Ficha Técnica
Personagens e Intérpretes:
Diabo – Patrocínia Cristovão, Anjo – Ana Samora; Companheiros do Diabo -
Catarina Santana, Inês Valente, Rita Conduto e. Vanessa Casanova; Fidalgo – Jorge Ferreira Pedro; Onzeneiro – Alexandre Antunes; Joane ( Parvo) – Joana Pimpista; Sapateiro – Susana Marques; Frade – Rui Félix; Brizida Vaz – Manuel Ramos Felix; Judeu – Eugénio Silva; Corregedor – João Cavaco; Procurador – Maria Matilde Cavaco; Enforcado – Bruno Vitoriano; Cavaleiros - Dinha Russo, Gonçalo Cardoso, Inês Félix, Rafael Costa e Rui Martins.
Encenação - Jorge Cardoso e Carina Silva; Música – Nuno Fernandes; Movimento – Andreia Martins; Desenho de Luz – João Henrique Oliveira e . Jorge Cardoso; Guarda Roupa - Ana Pimpista e Maria Matilde Cavaco; Assistentes de Cenografia – Amélia Careto; Apoio de Guarda Roupa – Andreia Ribeiro; Operação de Luz – André Silva; Operação de Som – João Teixeira; Contra- Regra – Ana Margarida Vasco; Design Gráfico – João Pimenta; Divulgação - Rita Conduto e Joana Pimpista; Apoio à Divulgação – Rui Lopes; Fotografia – Pedro Amorim; Apoio Geral – Dário Valente; Agradecimentos – Inês Valente, Eugénio Silva e a João Oliveira Júnior

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