sexta-feira, junho 04, 2010

RELATOS DE UMA VIDA


RELATOS DE UMA VIDA

Nasci no dia 4 de Agosto de 1941, num rés-do-chão (quintal), no n.º 30 da Rua Vasco da Gama, no Barreiro. Os meus pais foram Elisiário João Cavaco e Estrêla Monteiro Herbon Cavaco, ele, barbeiro, ela doméstica. Conheceram-se, amaram-se e contra a vontade de meu avô, decidiram juntar a trouxa e “fugir” (esta fuga aconteceu um certo dia, da Rua Heliodoro Salgado para a Rua Vasco da Gama – se bem atentarmos fugiram para 3 ruas a seguir à morada de minha mãe). A minha querida e saudosa mãe, nesse dia de manhã, iniciou os seus trabalhos de parto, pelo que a minha tia Margarida, de imediato, foi procurar a parteira para que esta acompanhasse o parto deste vosso auto-biografado. Então, porque a parteira não chegava a horas, resolvi NASCER, sem qualquer apoio de ninguém. A minha mãe dizia, muitas vezes, que nasci sozinho. Logo que se iniciaram as dores do parto, este vosso amigo não foi de modas. Mesmo sem dizer: “Mãe, nasci!”, aconteceu o que ninguém esperava:”parto-espontâneo”.
A minha mãe trabalhava, ocasionalmente, a dias em casa do Dr. Paulo Benevides, na Avenida da Bélgica, actualmente Avenida Alfredo da Silva. Foi nesta casa que durante muito tempo almocei e jantei com os filhos do casal. Lá aprendi a brincar, a rir e a sentir o quanto alguns de nós somos diferentes uns dos outros, sem, contudo, deixarmos de ser iguais. Foi ali também que, independentemente de nunca ter sido baptizado, fui seguindo a religião católica, particularmente na Catequese. Desde sempre, na minha casa se discutia a minha entrada para a Catequese, pois o meu pai nunca aceitou bem esta situação. Note-se que foi devido à sua caturrice e/ou teimosia pura, que eu nunca fui baptizado. Talvez por motivo dessa discussões, eu tivesse mantido sempre um elevado sentido de observação de tudo quanto ouvia, via e entendia, também na área da religião católica. Na continuidade dos períodos de observação que fui fazendo, ainda hoje me sinto um agnóstico, sem contudo, me opor a que as minhas filhas, por vontade da minha mulher, tivessem sido baptizadas.
Continuando esta minha auto-biografia, surge na minha memória um dia de Primavera em que me encontrava a brincar com alguns rapazes e meninas, no Beco do Resende, quando sou derrubado com uma pedrada no olho esquerdo. De imediato me levaram para o Posto de Socorros, na Misericórdia do Barreiro, no Largo de Santa Cruz, onde terei sido de pronto assistido. O médico que me atendeu terá informado a minha mãe que deveria levar-me com brevidade ao Instituto Dr. Gama Pinto, em Lisboa, onde poderiam ajuizar da dimensão das mazelas resultantes deste incidente. Mau grado todas as tentativas a minha visão foi abruptamente cancelada, o que provocou, a partir dali (tinha eu apenas 7 anos de idade), alterações profundas na minha vida futura, pelo que desde muito pequenito tive de me preparar para o que viria a seguir. Caso o incidente tivesse ocorrido agora, provavelmente a visão teria sido possível recuperar.
Na Escola Primária da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, sita na Rua Miguel Pais, no Barreiro, consegui sempre, com aproveitamento, completar a 4.ª classe, tendo sido submetido a exame na Escola Conde Ferreira. Logo de seguida fui inscrito na EICAS – Escola Industrial e Comercial Alfredo da Silva, onde iniciei os estudos com vista a poder, num futuro próximo, alcançar todas as metas que naquela altura se colocariam à minha disposição. Porém, devido à situação de monocular, fui sempre impedido de frequentar as aulas de trabalhos manuais, alguns desportos, etc., facto que motivou sempre um trauma que durante muitos e muitos anos me acompanhou. De tal modo que, sempre que pretendia entrar nalgum dos desportos, estes me estavam interditos. Ocultava sempre tal situação e assim lá prosseguia, até ao momento em que me informavam da necessidade da inspecção médica. Aí o assunto terminava, com muita mágoa e dor profunda. Entretanto, com a minha grande vontade de vencer, lá fui conseguindo ultrapassar algumas dificuldades, vencendo diversas barreiras, nomeadamente as da vida.
Tentei e consegui sempre ser um bom aluno, aplicado em tudo quanto se me deparava pela frente, vencendo sempre as barreiras que me colocavam. Em 30 de Julho de 1965 terminei o CURSO GERAL DE COMÉRCIO, com a classificação final de 12,08 Valores, assim distribuídos: Português – 11; Francês – 12; Inglês – 14; Geografia – 14; História Geral e Pátria – 12; Cálculo Comercial – 12; Ciências Físico Naturais – 10; Mercadorias – 14; Noções de Comércio, de Direito Comercial e de Economia Política -11; Técnica de Vendas – 11; Caligrafia – 11; Dactilografia – 14 e Aptidão Profissional (onde se incluía especialmente a Contabilidade Geral) – 17.
Quando me inscrevi na EICAS para o Curso Geral de Comércio, no regime nocturno, fiz de imediato a minha admissão à Câmara Municipal do Barreiro, tendo ali efectuado o percurso que a seguir discrimino, por ordem de antiguidade: Cartório Notarial; Conservatória do Registo Civil; Repartição de Finanças; Delegação de Saúde; Secretaria da CMB e, por último, promovido pomposamente como CATALOGADOR, com a incumbência de organizar a futura BIBLIOTECA MUNICIPAL, com o apoio da minha querida e saudosa colega e amiga OLGA COSTA MANO. Após cerca de 2 anos de organização, no Edifício da CMB, lá me desloquei para as novas instalações na Avenida Alfredo da Silva (local onde se encontra actualmente o Espaço Jovem). Nestas instalações com o apoio de um bom grupo de amigos, dos quais destaco o Dr. Miguel de Sousa, Engenheiro Leal da Silva, Dr. António Sardinha, Dr. José Pedro da Costa, Dr. Silveira Lopes, etc., foi possível organizar, reunir obras diversas, solicitar muitas outras através das várias entidades de investigação e cultura portuguesas. Por ali passaram muitos outros, a quem peço humildemente desculpas, porém a minha memória para nomes já começa a fraquejar.
Servi todos os departamentos onde trabalhei com o maior empenho e dedicação, recebendo, por isso alguns louvores por parte das respectivas chefias. Permito-me deixar claro que, desde muito novo, sempre me pautei em conformidade com as regras da boa educação, nunca descurando, de algum modo, o serviço público onde estava inserido. Posso, entretanto, salientar que sempre entendi que não seria possível projectar o meu futuro, sem atentar maduramente sobre algumas das minhas experiências no passado.
Nesta conformidade, decidi procurar, fora dali, um outro trabalho que complementasse financeiramente as minhas necessidades, já que a minha família não dispunha de bases sólidas para me garantir os estudos além do Secundário.
Assim, inscrevi-me no Banco Pinto & Sotto Mayor, tendo efectuado as provas de admissão e em 2 de Novembro de 1965 fui admitido para trabalhar nos Serviços de Pessoal, no Edifício da Rua do Ouro, em Lisboa. Porque, naquela altura parar é morrer, depressa me propuseram a transferência para o Serviço de Contabilidade, depois para o Departamento do Cartão de Crédito Sottomayor, onde colaborei na montagem de todo o sistema contabilístico que permitiria coordenar os movimentos Cartão/Cliente/Banco.
Num dia de Maio (sábado) estando, eu e o meu cunhado, a preparar todo o esquema do Rally Papel promovido pela Associação Académica do Barreiro, sou alertado para a presença de uma viatura com um autocolante do Cartão de Crédito Sottomayor. Na expectativa de que se tratasse de algum colega de trabalho para lá me dirigi, questionando o seu condutor sobre o seu local de trabalho. Fui informado pelo mesmo que não era empregado do Banco, mas era o filho mais novo de António Champallimaud, meu patrão. Apresentámo-nos e sem demora lá partimos à conquista do título. Mau-grado todas as expectativas do referido condutor, foi o mesmo desclassificado por haver cometido algumas faltas técnicas. No final da prova despedimo-nos com um até sempre. Mal sabia eu que “o até sempre”, teria início na segunda-feira seguinte, pois logo que entrei no Banco fui de imediato chamado à presença do Secretário-Geral do mesmo, Luis Daun e Lorena (Pombal), o qual me informou ser cunhado do citado condutor, que se sentia muito aborrecido, pois havia sido desclassificado, facto que não admitia. Assim, este senhor disse-me (ou ordenou-me?) que no dia seguinte estaria dispensado de trabalho, devendo aproveitar esse dia para, junto da Associação Académica do Barreiro, tentar por todos os meios, ultrapassar a situação criada ao cunhado, propondo-me até que informasse os membros da AAB, de que o Banco financiaria algumas verbas para apoio financeiro da Associação.
Por que se tratava de uma ordem, porque nos encontrávamos no ano de 1973, e também porque não me era permitido dizer não, lá decidi ir junto da Direcção daquela Associação, propondo tudo quanto me tinha sido informado, para se poder alterar a decisão antes tomada. Enfim, de lá saí “de rabo alçado” ouvindo toda a qualidade de impropérios contra tudo o que representava a Família Champallimaud. Em resumo, proibiram-me de lá voltar propondo tamanha barbaridade.
No dia seguinte lá voltei ao Banco e de imediato me dirigi ao Gabinete do Secretário Geral dando-lhe conta do que se teria passado, tendo o senhor ficado muito aborrecido, aproveitando até para me tratar muito mal, admitindo até que eu estaria “feito” com eles, pois com gente do Barreiro, tudo poderia acontecer. Um mês depois, fui chamado ao Gabinete do meu Director José Manuel da Fonseca Calixto,o qual na presença de Rui Manuel Ribeiro Cunha, que me informou que o Conselho de Gestão queria testar as minhas capacidades de trabalho e decisão, pelo que iria ser de imediato transferido para a Secção de Depósitos, no Edifício da Rua do Ouro, para mais tarde poder vir a ser promovido a Sub-Director dum qualquer Departamento ou outra qualquer posição mais alta na hierarquia do Banco, pois era essa a “real” intenção da Administração do Banco, face aos serviços prestados na Instituição.
Claro que obedeci, porém deixei bem claro àquele Director e na presença do Chefe de Serviços Rui Cunha, aliás padrinho de baptizado da minha filha mais nova, que toda aquela encenação se assemelhava a uma tramóia, aliás bem urdida, para me destruírem sem que da minha parte houvesse qualquer possibilidade de recurso. Aliás, eu já havia sido avisado por um colega de outro departamento, de que já estava designado o novo chefe de secção do Departamento do Cartão Sottomayor para me substituir.
Ao longo de mais três anos de trabalho árduo, tudo quanto consegui ver à minha volta, me demonstrou a verdadeira cabala a que fui sujeito, em resposta à não concretização do desejo do filho do patrão do Banco, facto que sempre me fez sentir perseguido por algumas hierarquias do Banco, à excepção do meu querido e saudoso chefe de Serviços José Rodrigues, homem de grande coração, o qual sentindo de perto toda a tramóia a que estive sujeito, sempre me apoiou e protegeu. Como prova da sua protecção posso citar que, no dia da greve dos bancários, ainda antes de 1974, foi este meu chefe quem marcou o meu ponto, para que nada nem ninguém me pudesse acusar de falta injustificada, pois assim aconteceu a alguns dos meus colegas.
Finalmente aconteceu o 25 de Abril de 1974. Toda a perseguição parou. Enfim senti finalmente uma real liberdade que me permitiria colaborar a 100% com o serviço onde me encontrava. Cerca de um ano depois, surge o 11 de Março de 1975, e quando nada faria prever, o COPCON surgiu junto de todos os Bancos para “recolher em camionetas” os membros dos Conselhos de Administração, tendo previamente sido solicitada a sua presença para “reunião importante”. Até que através da vidraça da montra vejo Luis Daun e Lorena (Pombal) Secretário-Geral do Banco a aproximar-se da porta principal. Nessa altura apenas me ocorreu sair e dirigir-me a ele, o que aliás fiz, tendo-o então informado do que estava a acontecer, aconselhando-o a desaparecer para fora do País, pois caso entrasse seria levado preso para Caxias. Este de imediato recuou e lá se foi, sem deixar rasto.
Dois ou três anos depois, quando já me encontrava a funcionar junto da Direcção Comercial de Lisboa, na categoria de Assistente da Direcção, e estando a almoçar juntamente com mais três elementos daquela Direcção, sou surpreendido pelo (ex) Secretário-Geral do Banco, cumprimentando-me e para que todos os presentes na mesa o ouvissem, apresentou-me as suas desculpas pela perseguição que me moveu e agradeceu que o tivesse advertido do perigo que corria, caso tivesse entrado no Banco naquele dia fatídico. Enfim, a verdade vem sempre ao de cima e, a partir dali todos os presentes me passaram a olhar de outro modo, se, eventualmente, ainda houvessem algumas dúvidas na mente de cada um deles.
Permitam-me que descreva as funções especiais que desempenhei no Banco Pinto & Sotto Mayor, por ordem de datas, a saber:
02.11.1965 – Admissão no BPSM onde passei a integrar o apoio à Secção de Pessoal;
18.02.1970 - Organização e montagem de todo o sistema de contabilidade e cobranças do Cartão Sottomayor;
22-06.1976 - Nomeado pelo Conselho de Gestão para acompanhar e coordenar todo o processo com a SPOC – Sociedade Portuguesa de Obras de Construção, Ld.ª;
05.11.1976 - Nomeado pelo Conselho de Gestão para representar o Banco na Presidência dos Conselhos de Administração das Empresas INTERURBE, COPRUR e COTINUR;
02.12.1976 - Nomeado pelo Conselho de Gestão para colaborar com o Conselho de Administração da Nacional Rádio, SA;
28.07.1977 – Nomeado pelo Conselho de Gestão para acompanhar todo o processo do Grupo José Cristovão, coordenando as posições dos restantes Banco envolvidos (num total de 5);
22.12.1977 – Nomeado pelo Conselho de Gestão para em colaboração com a gerência da Agência de Santa Marta, acompanhar todo o processo de recuperação de cobranças com efeitos de mora, no processo J.J.GONÇALVES, SUCRS, tendo para o efeito efectuado bastantes deslocações por todo o País, aprovando algumas operações de crédito, mesmo sem que me fosse concedido o Estatuto de Sub-Director;
07.03.1978 – Nomeado pelo Conselho de Gestão para representar o Banco na Presidência dos Conselhos Fiscais das empresas INTERURBE, COPRUR e COTINUR;
09.05.1978 – Nomeado pelo Conselho de Gestão, por procuração, para coordenar todo o processo da empresa ORFEMA – Bravo, Jorge & Guimarães, Ld.ª, bem como para outorgar todas as escrituras de distrate das fracções no Edifício das Avencas – Parede;
22.09.1978 – Nomeado pelo Conselho de Gestão, por procuração, para preparar e outorgar todas as escrituras de distrate das fracções do Parque Oceano e Parque de Santa Clara, da empresa SPOC;
05.03.1979 – Nomeado pelo Conselho de Gestão para acompanhar, inspeccionar e informar sobre o processo do Grupo SUPORTE;
15-06-1979 – Ver carta endereçada ao Presidente do Conselho de Gestão do BPSM;(a)
21.03.1982 – Nomeado pelo Conselho de Gestão, para representar o Banco no Grupo de Trabalhos de Financiamento à Construção Civil, a funcionar quinzenalmente junto do Banco de Portugal;
De acordo com o curriculum antes descrito, estive por variadíssimas vezes deslocado em Empresas de Construção Civil, tentando sempre organizar as disponibilidades financeiras das mesmas, com vista à liquidação dos créditos anteriormente concedidos.
Sempre em interligação com o Conselho de Gestão do Banco, consegui na maior parte dos casos orientar as gerências das empresas, informando as direcções comerciais do Banco, qual o tipo de crédito a conceder, e qual o equipamento que deveria servir como penhor mercantil.
Em Dezembro de 1977 dei início junto da Agência de Santa Marta à análise de todo o processo do grupo J.J.GONÇALVES, SUCRS. Já no início de 1978 comecei a viajar por todo o País e com a colaboração dos gerentes e direcções situadas na Filial do Porto, contactei com muitos clientes com vista a desbloquear as suas dívidas, implementando in-loco os montantes de crédito vivo a autorizar para resolução do grupo já em situação de falência.
Gostaria, entretanto, de voltar um pouco atrás, mais propriamente ao ano de 1961, quando ainda me encontrava a trabalhar na Delegação de Saúde do Barreiro. Atendia nesse serviço muitos clientes, mas um deles tinha a particular atitude de me tratar sempre com a seguinte saudação: “Bom dia, meu genro”. Note-se que além deste senhor, também conhecia o seu filho, nunca sabendo que também havia uma filha, até que, num belo dia precisando eu de uma capa para o personagem do diabo, para uma peça de teatro que iria ser levada à cena na Escola Industrial e Comercial Alfredo da Silva, tive de me dirigir a casa do senhor Manuel Miranda Pinho e falar com a filha, pois fui informado pelo irmão de que a sua irmã poderia resolver o meu problema. Então deu-se ali o tal “clic” – era ela a que mais tarde se tornaria minha namorada e, em 16 de Setembro de 1969 minha mulher.
Voltando agora à minha vida profissional e atribulada junto do Banco Pinto & Sotto Mayor, na sequência das variadíssimas atribuições que me eram distribuídas, nomeadamente a representação junto da Nacional Rádio, SARL. Depois fui nomeado com outro colega para representar o Banco junto de um “império” denominado SUPORTE, com a finalidade de inspeccionar tudo quanto nos fosse possível, já que se admitia tratar-se de um bluff, dado que já havia lesado vários Bancos portugueses, arrastando atrás de si alguns gerentes e directores. Este grupo era constituído por cerca de 10 empresas, cujo objecto social seria a construção civil, encontrando-se espalhado por quase toda a Grande Lisboa. Mais tarde em seguimento das buscas que fizemos contactamos que também existia uma empresa em cujo endereço consistia numa boîte em Albufeira. Esta situação alertou-nos e por tal motivo fomos tentando contactar todas as outras, ao que fomos tomando nota de que cerca de 7 não existiam, tratando-se de endereços onde estavam radicados salões de cabeleireira, massagistas e outras “pseudo-clínicas de fisioterapia”. Em resumo, locais menos apropriados e muito mal frequentados, conforme pudemos constatar.
Quando ainda nos encontrávamos nestas buscas, fomos alertados para uma notícia acerca da emissão de notas de dólares falsas, tendo como seu presumível autor João Maria Tudela, o cantor moçambicano que viemos também a saber tratar-se de colaborador do principal empresário do grupo SUPORTE. Ao mesmo tempo que esta notícia surgia, fomos sendo alertados para o processo de corrupção que corria os seus trâmites contra o Presidente da C. M. de Vila Franca de Xira. Porque se tratava de processo já em poder da Polícia Judiciária, não conseguimos obter quaisquer elementos, o que só muito mais tarde foi possível. Então, lá estava o grupo SUPORTE envolvido também nestas tramóias.
Seguidamente, ao visitarmos uma das empresas “reais” situada em Odivelas, fomos informados pelos seguranças que a mesma teria sido assaltada durante a noite anterior, provavelmente com alguns camiões, pois todo o material destinado à construção civil que ali se encontrava, em estaleiro vedado, teria sido levado. Este assunto, que eu saiba nunca chegou a encontrar os culpados. Como sempre a justiça é lenta e sempre tarda!
De todos estes factos eu dava conhecimento, por escrito, ao meu Director principal Vasco da Silva Pinheiro, o qual me garantiu sempre que arquivaria os meus memorandos, não fosse algum dia “o diabo tecê-las” e caso se tornassem necessários, faríamos presente à luz do dia, para que, o Conselho de Gestão delineasse um processo judicial, já que estariam envolvidos alguns gerentes e directores de vários bancos. Uma vez mais acreditei na palavra da pessoa que mais próximo de mim se encontrava a coordenar esta inspecção, aliás muito peculiar e estranha, porquanto os Serviços de Inspecção do Banco, com pessoal especializado neste tipo de trabalhos, nunca foram chamados a este processo.
Durante quase todo o percurso em que decorreram as buscas, fui surpreendido com alguns telefonemas anónimos para minha casa e até nos telefones internos do Banco, avisando-me que deveria calar-me sobre o que encontrava, caso contrário poderia sofrer represálias ao nível de bomba colocada na viatura que eu conduzia. Do facto fui sempre informando o meu Director. Até que, numa segunda-feira de manhã sou informado pela secretária do Conselho de Gestão que deveria dirigir-me ao Banco na Rua do Ouro, pois os membros de Conselho estavam ali reunidos e pretendiam falar comigo e com o meu Director.
Para lá me dirigi, sempre esperançado que da tal conversa pudesse vir a resultar a tão desejada promoção: Sub-Director. Entrámos na sala de Reuniões e logo para começar é me apresentado um exemplar do “Expresso” edição do sábado anterior, onde vinha um artigo acerca do grupo SUPORTE e das grandezas e misérias na orla da Banca Portuguesa, admitindo-se, naquele artigo, grande conivência com alguns directores e gerentes dos diversos bancos, bem como do ex-Presidente da C. M. de Vila Franca de Xira. Dado que toda a documentação que entreguei ao meu Director se “perdeu sem deixar rasto”, nada posso afirmar, mas tão só presumir da sua veracidade. Naquele momento, ao ler o citado artigo da autoria do director do Expresso Augusto de Carvalho, logo percebi que se tratava de mais uma tramóia para me derrubar da posição que até ali assumia junto do Conselho de Gestão. Assim, foi, apesar de eu afirmar categoricamente nunca ter prestado quaisquer informações para fora do Banco, apesar de tudo o que lá vinha a lume, ser do meu inteiro conhecimento e também do meu Director, a quem eu participava tudo o que envolvia aquele grupo. Não obstante todas as minhas palavras, o senhor Presidente do Conselho de Gestão Dr. Consiglieri Pedroso, sem contudo poder afirmar a minha culpa no caso, entendeu por bem retirar-me imediatamente daquele posto, informando-me que a partir dali me era retirada também a confiança profissional.
Assim, mais uma vez me vi “lançado escada abaixo” sem que me pudessem atribuir legalmente qualquer culpabilidade.
Quando de lá saí, juntamente com o meu Director, pedi-lhe que me entregasse os dossiers que lhe havia sido entregue, ao que o citado senhor me respondeu: “dossiers? Mas que dossiers?”, “por favor, não me obrigues a pedir que te processem”, “eu não tenho dossier nenhum e ponto final!”.
Mais tarde, mesmo muito mais tarde, já em 1979, consegui finalmente perceber toda a tramóia. O meu Director tinha sido alvo de um processo por causa de intervenções suas em atribuição de créditos ao citado grupo SUPORTE, facto que caducou em 1978, pelo que não pretendia pôr em cheque a sua “bela reputação”. Mais ainda, a informação fornecida ao Expresso só poderia ter sido dele, porquanto o director do jornal era seu afilhado de casamento.
Em 1980 morre a minha querida e saudosa mãe, vítima de acidente vascular cerebral, terminando ali o cordão umbilical que a ela me ligava.
Em 1982 volto a ser nomeado, agora pelo Dr Tavares Moreira, para representar o Banco junto do Banco de Portugal no Grupo de Trabalho sobre as Empresas de Construção Civil.
Depois de alguns anos nesta actividade, sou convidado para exercer actividade junto da Direcção Comercial de Lisboa, o que aceitei, local onde estive, já no Edificio da Av.ª Fontes Pereira de Mello, até ter tomado a suprema decisão de requerer a reforma antecipada, pois estava informado que se aproximava a chegada do Grupo António Champallimaud e já se começavam a desenhar as deslocações de diversos gestores e directores do Banco para a nova entidade bancária denominada BCP. Facto a destacar nesta prosa é a de que durante bastante tempo, quer alguns dos gerentes e dos directores, sempre empurraram os grandes clientes do Banco para a instituição bancária no tempo já formada.
Pena que até ao momento nada tenha sido feito, a nível da imprensa lida e falada, pois os dois maiores bancos comerciais portugueses, foram cilindrados para dar lugar ao peso pesado BCP, do qual sou “pomposamente” denominado Reformado, sem que por ali tivesse estabelecido funções.
Então, termino o relato da minha actividade bancária, que poderia ter sido potencialmente diferente, não tivesse sido cilindrado pela ganância de alguns.
Posso afirmar nunca mais ter entrado nas instalações do Banco na Rua do Ouro, e só entrei no Edifício da Av.ª Fontes Pereira de Mello por ter necessidade de requerer junto da Conservatória do Registo Civil, uma certidão de nascimento de um amigo.
Entretanto a minha vida, a nível cultural, sempre decorreu na melhor ordem, pois desde muito cedo me encontro a apoiar o ARTE VIVA – Companhia de Teatro do Barreiro, inaugurado em 9 de Maio de 1980, tendo inicialmente as suas instalações no Externato D. Manuel de Mello, onde como actor representei algumas peças de teatro, particularmente “O Amanhã”, 1983-1984; “O Doido e a Morte”, 1985; ”Três em Lua de Mel”, 1986; ”A Farsa de Inês Pereira”, 1988-1989; “As Guerras do Alecrim e Manjerona”, 1992; “Pintores e Ladrões”, 2002. Sou membro efectivo da Direcção do Grupo na categoria de Tesoureiro. Entre outras atribuições executo toda a contabilidade analítica, pois o serviço de contabilidade oficial que faz a contabilidade geral do Grupo, não teria capacidade humana para executar este tipo de contabilidade, e caso a tivesse teríamos de suportar custos bastante elevados. Claro está que num Grupo de Teatro, devido à diversidade de despesas a ele inerentes, somente com um serviço de contabilidade analítica seria possível, aquilatar toda a diversidade de custos e receitas atribuíveis a cada uma das peças ali representadas. Assim sendo, posso, sem sombra de dúvidas afirmar ser esta a minha segunda casa.

APÊNDICE
(a)
….” Na minha qualidade de funcionário deste Banco acerca de 14 anos, é a segunda vez que me dirijo, por escrito, para apresentar as minhas razões, o que faço com o maior pesar, porquanto permita-me salientar que, por força de factores que me são inteiramente desconhecidos, sinto-me completamente marginalizado, no que se refere a definição concreta da minha situação profissional, isto em termos contratuais, dado que desde há cerca de 3 anos, tenho merecido da parte de Vossa Excelência e de todos os Gestores deste Banco (ainda não havia entrado no Banco o Dr. Consiglieri Pedroso, que veio substituir aquele a quem me dirigi e que faleceu pouco tempo depois desta minha carta lhe ter sido entregue e com quem falei directamente), elogios que bastante me apraz aqui registar, sem que contudo tenha sido contemplado com qualquer estimulo de ordem material.
Não quero deixar de esclarecer, para que não surjam quaisquer dúvidas, que a minha primeira carta dirigida ao Banco, data de 15 de Março de 1973 e, destinava-se à apresentação do meu pedido de demissão e, foi directamente entregue ao Presidente do Conselho de Administração Senhor Dr. Fernão de Ornellas Gonçalves, o qual após uma longa conversa que tivemos, no seu Gabinete, considerou não ser de aceitar, tendo-me incitado a continuar a lutar, de modo a poder com o meu esforço transpor a barreira que, como ele próprio admitiu, se vinha colocando à minha frente, o que com a maior força de vontade e espírito de sacrifício aceitei.
Porém, ao longo de todo este tempo, tenho tentado provar as minhas capacidades profissionais junto dos meus superiores hierárquicos, nunca regateando todos os esforços para transpor “mais outra barreira”, esta muito mais difícil e quiçá provida de desconhecidos obstáculos e/ou contrariada por forças adversas que tudo tem feito para evitar que a transponha.
Quando em princípios de Março de 1973 fui informado pelo Director João Manuel Ribeiro da Fonseca Calixto e Chefe de Serviços do Departamento do Cartão Sottomayor Rui Manuel Cunha, que iria ser transferido para a Secção de Posições, na Rua do Ouro, de acordo com as instruções que lhes teriam sido fornecidas pelo Conselho de Administração do Banco, com vista a prestar provas da minha capacidade profissional noutro departamento, de modo a que fosse possível ajuizar, qual deveria ser o enquadramento futuro, logo senti que começava ali, não a minha possível ascensão na carreira profissional do Banco, mas tão-somente a queda da escadaria dourada que me apresentavam, com alguma dose de cinismo, bastante visível aliás. Uma semana antes de concretizada a minha transferência para o novo serviço, já se encontrava junto a mim um funcionário que “por obras e feitos valorosos” já se encontrava nomeado Sub-Chefe dos Serviços do Departamento do Cartão Sottomayor.
As razões da minha transferência, quase compulsiva, somente em 1977 me foram particularmente comunicadas, segundo a versão de alguns. Tratava-se de um pseudo-saneamento, dado que “supostamente haveriam” alguns indícios de actividades sindicais e outras de ordem politico-partidária, que poderiam eventualmente causar transtornos futuros no Departamento.
Posso, aqui sob minha honra, informar Vossa Excelência que tais dúvidas não tinham qualquer fundamento, apesar de reconhecer que ao tempo, bastava que aqueles meus superiores hierárquicos sabendo que eu morava no Barreiro, pensassem tudo o que quisessem.
Felizmente que hoje todos eles se afirmam democratas e defensores da liberdade individual, esquecendo um passado nada longínquo que bastantes marcas deixou a pesar sobre alguns de nós.
Senhor Presidente,
Não queria de modo algum fazer desta minha exposição um muro de lamentações, porquanto existiram diversos factores que ao longo de todo este tempo me serviram de resposta às dúvidas que eu próprio formulei no meu cérebro.
Em 11 de Junho de 1976 foi chamado para trabalhar junto do Senhor Carlos Moutinho de Freitas, no Serviço de Apoio às Operações Económicas e de Crédito. Como baptismo foi-me entregue um dossier para examinar – SPOC. Sociedade Portuguesa de Obras de Construção – ao mesmo tempo que era incumbido de assistência ao Conselho de Gestão do Banco, na pessoa do Dr. Tavares Moreira, apesar de me encontrar ligado oficialmente ao SAOEC (aliás facto que só foi oficializado ao final de um ano de ter saído da Secção de Posições).
Nesta conformidade, ainda que fosse verdade o que me foi transmitido pelos meus superiores no Cartão Sottomayor, já teria havido tempo suficiente para que ficasse provada a minha capacidade profissional, e consequentemente deliberado acerca da minha passagem à categoria profissional imediata. Tal deliberação não ocorreu até ao momento, pese embora todo o apreço e amizade, demonstradas por V. Ex.ª.
Exposta que foram as presumíveis razões que entendo serem os motivos da minha apreensão e, porque não dizer, também os motivos do meu estado de espírito, bem do conhecimento de V. Ex.ª, sem que alguma vez tenha demonstrado menos profissionalismo e competência, é com o maior respeito que solicito a revisão do meu processo profissional e bem assim, a solução que V. Ex.ª entenda por bem ser a mais adequada para as funções que desde sempre venho desempenhando.
Esclareço, entretanto, que a minha última promoção ocorreu em Janeiro de 1972 à classe C, correspondente perante este CCTV ao nível 7.
Nos factos antes expostos, admito não existirem quaisquer dúvidas, mas caso existam, encontro-mo à inteira disposição de V. Ex.ª para os esclarecimentos que entender por bem lhe venham a ser prestados.
Apresento respeitosamente os meus melhores cumprimentos. Atentamente. A).- João Cavaco. ---“

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